Estar em Cristo tem a ver com uma vida pautada pelo relacionamento com Deus que gera vida no mundo e traz libertação e perdão, ali onde antes havia morte e condenação.
Estar em Cristo, portanto, vai muito além de um mero pertencimento institucional (Terren Hurst / Unsplash)
“Aquele que está em Cristo é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas”. (2 Coríntios 5,17)
Esse versículo é grandemente conhecido no meio cristão. No meio evangélico, então, é fortemente usado em diversas pregações, nos momentos dos apelos de conversão ou ainda quando se pergunta, em algum culto, se há alguém com algum problema de relacionamento com Deus.
Que a mensagem de Paulo nesse versículo seja bem confortante, trazendo uma mensagem de esperança para aqueles e aquelas que de alguma forma se sentem desesperançadas e perdidas não podemos negar. Ainda que se faça uma análise exegética mais aprofundada do texto e veja as possibilidades de interpretações da perícope toda, o versículo em questão se mostra bastante claro: a pessoa que está em Cristo é uma nova criatura para a qual as coisas velhas (seus atos pecaminosos, sua conduta que era diferente daquela que Cristo teria, seu egoísmo, sua vida voltada para si, etc.) passaram e a ela é dada a possibilidade de viver a novidade de vida trazida pelo encontro com o Ressuscitado.
Ao longo do tempo, porém, foi se cristalizando a ideia de que estar em Cristo seria o mesmo que pertencer ao cristianismo institucionalizado. Tal compreensão, por sua vez, levou o cristianismo a perseguir diversas pessoas, considerando-as como hereges e dignas de morte, como bem nos mostra grande parte do período da Idade Média e do domínio da igreja institucionalizada no Ocidente.
Até hoje, se olharmos mais atentamente, percebemos diversos grupos com o mesmo discurso, tomando o versículo de 2 Coríntios 5,17 para condicionar o ser “nova criatura” a algum pertencimento institucional. E, mais ainda, até mesmo se tornando sommeliers da salvação oferecida por Deus. Em outras palavras, ainda é comum que cristãos e cristãs queiram definir quem está e quem não está em Cristo quem pode e quem não pode ser chamado de nova criatura de acordo com o padrão estabelecido por alguma instituição.
Claramente, o texto de 2 Coríntios 5,17 não diz que aqueles e aquelas que se tornaram prosélitos são novas criaturas. Antes, coloca-se um condicional: “se alguém está em Cristo, é nova criatura”, mostrando que ser nova criatura não tem a ver com algum tipo de pertencimento institucional, mas com uma relação com a pessoa do Ressuscitado.
Aqui, é importante ressaltar que, se pertencer a um cristianismo institucionalizado não implica estar em Cristo, também não quer dizer que estar em Cristo implica no não pertencimento a alguma instituição. Em outras palavras, o que ressaltamos neste texto é que o mero pertencimento a uma instituição não garante que se esteja com Cristo, assim como o estar com Cristo não é impeditivo para tal pertencimento.
Com isso em mente, o ponto central para a compreensão do versículo se torna entender o que quer dizer a expressão “estar em Cristo”. Quando voltamos ao Evangelho, percebemos que “estar em Cristo” tem a ver com ter as mesmas atitudes que Jesus teve, ou ainda, ter Jesus como referência para todas as ações que temos na sociedade. Assim como Jesus amou, devemos amar; assim como ele lutou pela causa dos pobres, também nós devemos lutar; assim como ele anunciou que Deus estava junto aos marginalizados, assim também nós devemos fazê-lo. Ou seja, implica deixar de sermos pessoas voltadas somente para nós mesmos e estar dispostos a nos entregar uns aos outros em amor. Em termos paulinos, não andarmos mais segundo os padrões de um sistema corrompido, mas vivermos uma novidade de vida, de acordo com o Espírito de Deus.
Essas atitudes, porém, não são feitas por sermos pessoas boas ou melhores que outras, mas é fruto do encontro transformador com a pessoa do Ressuscitado. Ele que, tendo se entregado por todos, segundo Paulo, cancelou qualquer escrito de dívida que havia contra a humanidade uma vez por todas.
Estar em Cristo, portanto, vai muito além de um mero pertencimento institucional. Tem a ver com uma vida pautada pelo relacionamento com Deus que gera vida no mundo e traz libertação e perdão, ali onde antes havia morte e condenação.
Fabrício Veliq